sexta-feira, 14 de março de 2014

Entre Direito e Poder

Recentemente fiz uma leitura de Habermas, do livro Direito e Moral (Recht und Moral), uma reunião de duas conferências que Habermas proferiu, por volta de 1986, em que o filósofo discorre de forma eloquente e substancial sobre as formas dominadoras que estão por trás da ideia de Direito e Justiça. Habermas aponta as dificuldades de legitimidade e legalidade do Direito, que tenta por uma lado emancipar-se da Moral, deixando a cargo do legislador a formação das leis sobre à influência perversa do poder econômico e político,  enquanto que a diferenciação do Direito deste viés legislativo, em que o legislador recebe legitimidade por ter sido eleito pelo povo, cria uma esfera de direitos morais, atreladas a princípios que inviabilizam a aplicação simples e direta da lei. Estamos em face de uma dificuldade dialética em que por uma lado o Direito pode permitir a formação de Estados Ditatoriais por vias legitimas, como por exemplo a Alemanha nazista, e por outra  via o Direito pode permitir a proliferação de indivíduos que não se submeteram às normativas positivadas, por conta da observância de princípios do Direito, que tem por base à moral, e que permitem pelo modo como são constituídos e utilizados uma distorção hermenêutica capaz de absolver qualquer sujeito que se submeta ao devido processo legal.
E, para fim de conversa, até que ponto podemos chamar de legitimo o poder dado a um legislador de criar as normas, dentro do processo legislativo, partindo da eleição do mesmo pelo povo, quando sabemos que essa mesma eleição é atrelada à influência política, econômicas, de grande envergadura, capaz de transformar um palhaço em legislador? O fundamento da Justiça está na moral, naquilo que moralmente é justo, enquanto que a partir das normas criadas pelo sistema legislativo, nos deparamos com meras Hidras, absurdas, que sabe-se já de antemão tendem apenas a privilegiar alguns nichos em detrimento da maioria "burra".
Esta sensível e resumida explanação é apenas uma noção do que poderemos encontrar em Direito e Moral de Habermas, concluindo-se de forma evidente, que Habermas é leitura essencial para os operadores do Direito.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Terrorismo e Habermas

Jürgen Habermas, refletindo sobre o terrorismo, disse haver três modos deste: "guerra de guerrilha indiscriminada, guerra de guerrilha paramilitar e terrorismo global. O primeiro tipo é simbolizado pelo terrorismo palestino, em que o assassinato é geralmente praticado por um militante suicida. O modelo da guerra de guerrilha paramilitar é característico dos movimentos de libertação nacional e é retrospectivamente legitimado pela formação de um Estado. O terceiro, o terrorismo global, não parece ter metas politicamente realistas, a não ser explorar a vulnerabilidade de sistemas complexos. Nesse sentido, o terrorismo global em a menor chance de ser retrospectivamente reconhecido como defensor de reivindicações políticas."¹
Até que ponto podemos pensar assim como Habermas, e classificar desta forma o terrorismo, selecionando e descaracterizando um ato de outro para enquadrá-los nesses modelos? Terrorismo é terrorismo, no sentido de que a divisão de Habermas é meramente didática, no fundo, não representa nada. Afinal, o que o terrorismo nos põe é a vulnerabilidade de nossas vidas, e classificá-lo seria uma bobagem tremenda, ao cabo que o que de fato importa é estarmos diante de uma situação instável, ameaçadora, provocada pela atitude humana. É isso, e não a ideia de classificação que sobrepuja qualquer ação terrorista, sobretudo no que diz respeito à indiferença com que muitas vezes esses ataques são realizados. Por exemplo, o fundamentalismo islâmico é só uma faceta disso, não uma forma diferente das outras de terrorismo, diferente dos causados por Fidel Castro na tomada de Cuba, ou mesmo pelos exageros oficiais no Brasil, à época da Ditadura. Obviamente, não é indiferença para quem ataca, mas sempre para com o sentimento da vítima, que na maioria das vezes nada tem haver realmente com a causa protestada, reivindicada, vingada do terrorista. Continuo na lição do ilustre filósofo brasileiro Olavo de Carvalho, com esse povo terrorismo não há o que se falar em diálogo, eles não querem dialogar, e ponto. E como Nietzsche, penso que a violência é uma condição fundamental, necessária para repelir certos atos terrivelmente mais violentos que o ato que repele. Então não digo não à violência, mas sim à violência injustificada, apesar de ser difícil de valorar isso, pois claro que o que pode estar sendo justificado para mim, pode ser um absurdo para outrem. Mas longe de mim, na maior das modéstias, querer contestar de fato qualquer pensamento de Habermas. Respeito-o profundamente, e é na medida desse respeito, que me permito comentar essa sua ideia de divisão do terrorismo. Mas ele não está errado, nem mesmo certo, é apenas algo a considerar.


¹ BORRADORI, Giovanna. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Jürgen Habermas e Jacques Derrida; tradução Roberto Muggiati. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. pág. 68